Amostra Nacional de Domicílios do IBGE mostra desemprego histórico, mas novo Caged, do Ministério da Economia, retrata recordes de geração de emprego. Contradição gera debate e inconformismo nas redes
Apesar de o Brasil enfrentar uma das maiores crises econômicas de sua história por conta da pandemia, um indicador tem chamado a atenção de quem tem tido dificuldade de achar um emprego: segundo dados do Cadastro nacional de Empregados e Desempregados, o Caged, o mercado de trabalho brasileiro vive um de seus melhores momentos.
Em Pouso Alegre, por exemplo, a base de dados hoje ligada ao Ministério da Economia aponta que em março, mês da ‘onda roxa’, período mais restritivo da pandemia no município, 631 vagas teriam sido criadas.
Mas como o Caged chegou a esse número? Cruzando informações readas pelos empresas empregadoras. Segundo elas, 1.905 trabalhadores foram demitidos enquanto 2.536 foram itidos, restando o saldo positivo de 631 vagas.
No acumulado do ano, apontado como crítico pela maioria das empresas, o município tem saldo positivo de 1.607 vagas. No Brasil, o saldo seria de mais de 837 mil vagas.
Notícias que davam conta da informação foram rechaçadas de pronto nas redes sociais por muitos internautas. O R24 mesmo publicou a variação do Caged do mês de fevereiro e recebeu uma enxurrada de questionamentos.
Como a geração de empregos pode estar tão acelerada em meio a uma profunda crise econômica associada à crise de saúde mundial? Uma explicação para a estranheza causada pelos números e a realidade enfrentada pela população pode estar em uma mudança metodológica ocorrida em 2020, quando o Caged ampliou a base de informações considerada para compor sua estatística.
Até então, o empregador informava demissões e contratações diretamente ao Caged. Agora, ele faz isso por meio do eSocial, que unificou diversas obrigações das pessoas jurídicas. A mudança é mais profunda do que parece. Atualmente, o empregador é obrigado a informar, por exemplo, a issão de trabalhadores temporários, o que não ocorria anteriormente.
Desde que a mudança ou a valer, o país chegou a registrar recordes na geração de empregos com carteira assinada, apesar de enfrentar uma duríssima crise econômica. O governo federal comemorou: ““Não tenho dúvida de que o saldo é algo concreto e bastante crível, já que melhoramos a captação tanto das issões como das demissões”, afirmou no final de março o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco.
Mas especialistas alegam que as mudanças tornaram a comparação da série histórica impossível de serem feitas e apontam outros problemas que podem estar inflando a estatística.
Embora considere que a nova plataforma amplie a base de dados e traga uma mudança positiva, Marcelo Neri, diretor do FGV Social e ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, alerta para a impossibilidade de estabelecer comparações com a série histórica anterior à mudança.
“A comparação dele com anos anteriores não é assegurada. É como comparar laranjas com bananas”, argumentou à Folha de São Paulo.
Neri considera um equívoco até mesmo a comparação entre períodos atuais. “Existe a possibilidade de os dados de demissões estarem atrasados. Existe a hipótese de ter havido uma demora para registrar os dados das empresas que fecharam”, afirma. “Uma análise do acumulado do ano teria menos ruído, talvez”, disse ao jornal em entrevista publicada hoje.
Evidência mais robusta da discrepância entre a metodologia atual e a anterior foi encontrada pelo pesquisador Bruno Ottoni, do iDados e do Ibre/FGV. Ele comparou os dados apurados a partir das duas metodologias de abril a dezembro de 2019.
“Na média, o pesquisador calculou uma diferença de 74% entre o saldo de vagas registrado no Caged antigo e aquele extraído a partir dos dados do eSocial. Em maio de 2019, a variação chega a 361%. Enquanto a base de informações antiga registrou 9.712 novos postos de trabalho, o eSocial tinha 44,7 mil”, informa o jornal.
Programa de Manutenção de Emprego
Outra explicação possível para o conflito entre a percepção popular e a estatística é dada pela equipe econômica do governo federal, que atenta para o Programa de Manutenção de Emprego.
Instituído durante a pandemia, ele permitiu que as empresas suspendessem contratos e reduzissem a jornada de trabalho e contava ainda com a complementação dos salários dos funcionários pelo governo.
As empresas que aderiram ao programa não podem demitir seus empregados por um período. Atualmente, nada menos que 3,5 milhões de trabalhadores estão nesta condição.
PNAD aponta 14,4 milhões de desocupados no Brasil
A polêmica fica ainda maior quando considerado um outro indicador do mercado de trabalho, a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios PNAD Contínua, do IBGE. Sua mais recente atualização, tornada pública nesta sexta-feira, 30, aponta que a taxa de desocupação entre os brasileiros é de 14,4% entre dezembro e fevereiro, com 14,4 milhões de pessoas sem trabalho.
Este é o maior contingente de pessoas em busca de emprego desde 2012. Some-se a ele outros seis milhões de pessoas consideradas ‘desalentadas’, ou seja, elas desistiram de procurar trabalho.
A pesquisa do IBGE é feita a partir de entrevistas em 211 mil domicílios, em cerca de 3,5 mil municípios. Enquanto o Caged é uma base de dados que consolida issões versus demissões e divulga o saldo de empregos formais regidos pela CLT, a PNAD faz uma leitura mais ampla e considera desempregado toda pessoa sem ocupação que tenha procurado emprego nos últimos 30 dias e não encontrou.
Por óbvio, é impossível comparar as duas pesquisas, que tem base de dados distintas. Tanto a PNAD Contínia quanto o Caged têm larga reputação de confiabilidade e sempre foram utilizados como referência por pesquisadores e gestores, seja na produção de dados e análises, seja na tomada de decisão nos setores públicos e privados.