No último fim de semana, a intolerância política no Brasil alcançou se degrau mais alto e chocou o país. O agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho invadiu uma festa de aniversário em Foz do Iguaçu (PR) e assassinou o guarda municipal Marcelo Arruda, que comemorava seus 50 ano. Antes de falecer, Arruda revidou e também baleou Guarunho, que segue internado.
Os dois não se conheciam. Segundo testemunhas, Guarunho foi até o local gritando palavras de ordem em favor do presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem é apoiador. Sua irritação, geradora de uma discussão que precedeu o assassinato, parece ter sido provocada pela temática da festa, que fazia referência ao ex-presidente Lula e seu partido. O aniversariante, Marcelo Arruda, era integrante do Partido dos Trabalhadores e entusiasta da candidatura do líder petista.
Os detalhes do caso ainda serão apurados pelas autoridades, mas imagens de câmeras de segurança e testemunhos não deixam dúvidas da motivação política que consumou a tragédia. O assassinato, porém, não chega a ser surpreendente em uma atmosfera eleitoral inflamada, em que adversários políticos aram a ser tratados como inimigos a serem combatidos.
Trazendo a discussão para Pouso Alegre (MG), o R24 convidou algumas lideranças políticas e pré-candidatos a comentarem o prenúncio de um ano eleitoral tumultuado e violento. Como garantir que o processo democrático não seja abalado por demonstrações de intolerância?
Revanchismo ganhou novo tom com extremos indo ao tatame, diz presidente da Câmara
Para o presidente da Câmara Municipal, Reverendo Dionísio (U. Brasil), o país nunca correu tantos riscos de ter um processo eleitoral violento como na atual conjuntura. Apesar disso, ele considera que esse acirramento começou a se formar há mais tempo. “Esse revanchismo no Brasil vem sendo acirrado desde a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff nas eleições de 2014. Só que aquele revanchismo se dava entre pessoas mais dadas aos princípios da democracia. Isso ganhou um novo tom, à medida em que a extrema-direita e a extrema-esquerda subiram ao tatame”, aponta.
“E é esse o clima que nós vivemos hoje: a extrema-direita tentando eliminar a extrema-esquerda”, prossegue o político. Para ele, a única forma possível de por fim a esse acirramento é o combate diuturno aos extremismos, tendo em conta que a democracia tem como premissa que o poder do povo deve prevalecer sobre o poder do governante. “Nenhum governo vai fazer com o povo o que ele quiser se o povo não permitir”.
Reverendo Dionísio defende também que as pessoas deixem de lado a linguagem violenta. “Eu posso defender as vantagens da minha visão política sem precisar chamar o outro grupo para a briga”, exemplifica. “Quando eu preciso ser violento contra o outro porque o outro pensa diferente de mim, significa que eu estou partindo do princípio que o meu argumento é frágil, que o que eu tenho para propor pode não convencer”, sugere.
Por fim, o presidente da Câmara propõe que a ideia de um ‘salvador da pátria’ deve ser esquecida, atentando que um governo eleito não ganha um cheque em branco da população, retomando a ideia de que a vontade do povo permanece soberana na democracia e que é conjunto das pessoas que devem lutar por sua prosperidade.
Dirigente do PCdoB atribui violência a discurso de ódio de Bolsonaro
Como ocorre na esfera nacional, enquanto parte do espectro político, mais ligada à centro-direita, atribui a violência política a uma polarização entre extremos, valendo-se de uma suposta equivalência entre contrários que têm como representantes máximos Bolsonaro de um lado e Lula de outro, legendas mais à esquerda defendem que Bolsonaro e sua retórica beligerante são a causa única do ambiente instável.
É o pensamento da presidente do PCdoB em Pouso Alegre, Lívia Macedo. Segundo ela, o presidente avaliza ‘atitudes extremistas’. “No país de Bolsonaro, só é itido quem pensa como ele. O resto, tem que ser combatido. É visto como ameaça”, critica.
Ainda segundo a dirigente, as mulheres seriam o alvo principal do discurso de ódio produzido por Bolsonaro. Ela cita como exemplo a perseguição a figuras como Manuela D’Ávila (PCdoB), Andréia de Jesus (PT), Duda Salabert (PDT) e Maria do Rosário (PT).
Para Lívia, a saída para contornar a violência política é uma resposta rápida das instituições, que envolva desde tribunais eleitorais ao Ministério Público e forças de segurança. “Quando alguém solta uma bomba no meio de um comício, isso precisa ser tratado. Quando temos grupos de atuação, sobretudo nas redes sociais, em que pessoas disseminam o ódio e envenenam a nossa sociedade com mentiras, isso precisa ser tratado como algo que ameaça diretamente nosso pacto social e a convivência pacífica entre quem pensa diferente”, pondera.
Extremos criam instabilidade contra estado democrático de direito, diz líder do PSDB na Câmara
Seguindo a linha de quem enxerga o confronto de dois extremos, o vereador Igor Tavares, líder do PSDB na Câmara de Pouso Alegre, aponta que há dois discursos dominantes que colocam a democracia em questão e causam a instabilidade inédita vivenciada pelo país.
“De um lado, alguns questionam o funcionamento das urnas eletrônicas, colocando em xeque as regras do jogo. E, de outro, nós temos um discurso que diz que se o atual presidente for reeleito o país, provavelmente, sofreria um golpe ou entraria em uma ditadura. Dá para perceber como linha tênue entre os dois a convergência do discurso radical, fanático, que ambos dizem que o resultado das eleições pode ameaçar o estado democrático de direito”, opina.
Para o vereador, ambos os discursos criam instabilidade e motivam militantes a serem mais agressivos nos embates políticos. Segundo ele, se a discussão se deslocasse para o campo programático e de agendas para o país, a confrontação poderia ser minimizada.
Enquanto o deslocamento desse debate não ocorre, Igor acredita que caberia às instituições adotarem uma postura neutra em relação aos dois campos antagônicos e, hoje, majoritários. “Cabe às instituições de estado mostrar a perenidade, a continuidade, consistência do estado democrático de direito, que prevalecerá independente dos conflitos que surjam, [mas] não é o que temos visto também”, observa o político, afirmando que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm se posicionado de forma contrária ao atual governo, o que, segundo ele, “não deveria ser algo comum”.
Políticos têm responsabilidade de conscientizar a população
O vereador Hélio Carlos de Oliveira (MDB), que é pré-candidato a deputado federal, defende que os políticos têm a responsabilidade de conscientizar a população e evitar que a violência se espraie. “A nós, políticos, que estamos exercendo um papel político, que estamos exercendo um mandato, cabe trabalhar nossos espaços de comunicação para conscientizar as pessoas”, propõe.
Hélio Carlos também considera que Bolsonaro fomenta a violência com um discurso que vem desde “o início da eleição dele… de armar a população, [de] ‘bandido bom é bandido morto’… A partir daí, despertou essa ira e muita gente que pensa igual a ele, hoje vê no estado uma proteção, se achando no direito de se armar e de brigar contra quem pensa diferente”, considera.
Na mesma linha, o pré-candidato a deputado federal pelo PSOL, o professor Luiz Carlos, defende que os concorrentes nas eleições de 2022 optem por uma campanha propositiva, se afastando da violência verbal, “que é o estopim para a violência física. Fazer a defesa do debate democrático e do diálogo é fundamental”, pontua.
O professor acredita que a as eleições de 2022 tendem a ser as mais violentas desde a redemocratização. Nesse contexto, ele aponta o papel crucial das instituições, que “podem contribuir reafirmando a importância do processo democrático, promovendo campanhas educativas, agindo preventivamente com ações de inteligência e apurando com rigor as ilicitudes e crimes cometidos”.
Campanha de ódio vem de presidente que não tem nada para mostrar, diz dirigente do PT
O presidente do Diretório do Partido dos Trabalhadores em Pouso Alegre, Sebastião Camilo, faz a crítica mais contundente a Bolsoanro, a quem atribui uma campanha de ódio para desacreditar as instituições e estimular a violência por não “ter nada de bom para mostrar”.
Por isso, segundo o dirigente, Bolsonaro “tenta desqualificar a Justiça Eleitoral, propagar desconfiança nas urnas eletrônicas que o elegeu desde 1996. Busca, por meio da pregação do ódio, da violência impor o terrorismo e assim tentar um novo golpe”.
Sebastião Camilo cita os casos de atentados em eventos recentes do Partido dos Trabalhadores para destacar a responsabilidade de as instituições investigarem e punirem com rigor os responsáveis, tratamento que ele deseja ver aplicado também no caso ocorrido em Foz do Iguaçu.
“Mas é preciso ir além, é preciso responsabilizar Bolsonaro, pois é ele quem prega o ódio e incentiva a violência”, conclui.
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